segunda-feira, 27 de abril de 2009

PERPETUUM MOBILE

A história do universo é apenas uma sequência de momentos que se sucedem um após o outro no tempo infinitamente. A relação entre eles é determinada pela lei da causalidade que, segundo Kant, existe apenas na nossa mente, ou segundo suas próprias palavras, apenas na razão pura.

E é natural que seja dessa maneira e não de outra.

O que é incompreensível é que ela tenha de ser de alguma maneira: bem poderia não ser de maneira nenhuma. Por que algo ocorre, ou melhor, por que algo deve ocorrer? Por que o universo simplesmente não para? E seria até melhor que parasse, uma vez que o seu movimento não tem objetivo algum.

Provavelmente, o universo é apenas uma carroça desgovernada descendo um barranco interminável. Um belo dia, ela estava parada sobre o topo da montanha e um sujeito barbudo e desajeitado, chamado Deus, a empurrou ladeira abaixo. E agora estamos todos nós nos perguntando por que estamos aqui, enquanto descemos sem parar para as profundezas insondáveis do tempo, incapazes de acreditar que tudo isso é resultado de um mero acidente.

Bem, dane-se! Talvez, não seja.

Simplesmente não são necessárias respostas para que as coisas ocorram, ocorrerão mesmo sem elas. A filosofia ainda que fosse capaz de fornecer respostas, e ela não é – tudo o que faz é formular as perguntas de uma maneira mais elegante – resolveria apenas a parte menos importante do problema.

O real problema humano é como fazer com que seus poucos anos sejam minimamente prolongados, como fazer com que um idiota qualquer seja capaz de viver oitenta anos, no lugar de sessenta, sem se preocupar por qual razão oitenta é melhor do que sessenta. E os homens que atingem esse objetivo se sentem bem pagos por seus esforços.

A atividade humana primordial consiste basicamente em implorar à natureza terrível do universo para durar por mais tempo entre ela.

E é por essa razão que os seres humanos, sem uma única exceção, dedicam quase a totalidade do seu tempo, apenas tentando ganhar mais tempo que usarão com a mesma finalidade. Um moto contínuo falso, que como todo os motos contínuos falsos, atinge um momento que não pode mais suster a si mesmo e para: morre.

Mas não é isso que define o que é humano, até uma estrela ficaria feliz em acrescentar alguns segundos aos seus bilhões de anos de vida. E imploraria por isso às galáxias ao seu redor. O que define a humanidade é que ela tem plena consciência de que não poderá ficar para sempre. E são esse desejo pelo eterno e essa consciência da própria fragilidade que lhe dão os seus caracteres particulares.

O ser humano tem dentro de si uma contradição intensa. E é precisamente da maneira que ela se revela que surgem os tolos, a grande massa sem qualidade alguma e os gênios.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O SÉCULO XXI

O século XXI é uma velha hipocondríaca que, vez ou outra, para a desgraça dos parentes, ensaia um sorriso de vagabunda debaixo das cobertas.

E não abandona a cama, pois, diz ela, está frio lá fora. E fode com o abajur, julgando ser ele o seu falecido esposo.

Seja lá o que for a vida, sua velha, ela se faz nas ruas!

Não dentro dessas porcarias de cubículos onde todos se aprisionaram.

A vida acontece lá fora, mas estão todos cegos para vê-la e temerosos demais para vivê-la.

Cercados por almofadas em suas celas de hospício, apreciando uma comodidade doentia, hipnotizados pelas luzes dos monitores e pelos toques infantis dos celulares, não muito diferentemente de um primata que os visse pela primeira vez.

A vida permanece a mesma: sempre homens, acovardados atrás de máquinas, ante o mundo.

Medo. Medo da mais simples novidade. Por isso essa devoção à rotina de trabalho e tédio. Por isso essa necessidade estúpida em transformar até o menor espaço do globo em um lugar conhecido: shopping centers, aeroportos, academias e condomínios, tudo exatamente o mesmo para que o homem moderno não entre em desespero. Lugares mortos.

E catalogaram todos os animais também.

Esta é a história de uma velha que temia sair de casa. Todos os dias pela manhã, caminhava trêmula, de camisola, até o portão. E retornava, ainda trêmula, para o quarto, imaginando ter saído de casa. E, todos os dias, realizava o mesmo percurso sem sentido.

A história de uma imbecil prepotente que se gabava de destruir o mundo, enquanto comia uma pizza no sofá, assistindo TV, mas que a única coisa que destruía era a si mesma. E não deixaria de fazê-lo, por ser o seu único orgulho.

E de uma centena de imbecis como ela, marchando para o vazio com uma precisão militar e com um sorriso idiota no rosto. Apresentando a história o espetáculo lastimável que é maior geração de retardados de todos os tempos.

terça-feira, 7 de abril de 2009

POESIA? NÃO, SÓ UMA PÍADA

Ela tinha um estranho pesadelo com crocodilos. Não que os crocodilos fossem assustadores ou a perseguissem, ou como naqueles filmes de James Bond, no qual se arremessam espiões ingleses dentro de tanques com animais ferozes.

Não! Não era nada disso! Eram bichinhos até engraçados, nas suas expressões de réptil havia até um estranho sorriso. Um sorriso bobo de enormes bocas dentuças levemente abertas.

Nem eram feios esses bichinhos.

Mas, pasmem! Eram azuis! Ora essa, crocodilos azuis! E isso a assustava. Crocodilos azuis inofensivos! Antes a devorassem e acabassem com aquela palhaçada toda!

- Isso mesmo, eu vejo todas as noites crocodilos azuis – repetia ela, pela quinta vez a uma amiga incrédula.

- Crocodilos azuis? A amiga pensou um pouco, meneou a cabeça, murmurou mais uma vez: - crocodilos azuis... - por fim, perguntou: - você já viu um psicólogo?

- Não, só crocodilos azuis.